FERNANDA MATOS FERNANDES DE OLIVEIRA JURUBEBA[1]
(coautora)
RESUMO: O Brasil é um dos países com maior carga tributária incidente sobre produtos alimentícios, independente do porte de produção. Para um produtor rural de pequeno porte, a forma de tributação pode ser um importante estímulo para a continuidade na atividade rural. Nesse contexto essa pesquisa busca responder o seguinte questionamento: qual o papel das políticas públicas de concessão de incentivos fiscais como ferramenta de promoção do desenvolvimento local por meio das atividades rurais da agricultura familiar? Para responder essa pergunta foi elaborado um estudo descritivo através do qual foi possível analisar as formas de tributação praticáveis aos pequenos produtores rurais da agricultura familiar, bem como foram analisadas as principais políticas públicas direcionadas a este tipo de produtor, tendo como estudo de caso o Tocantins. Concluiu-se que as políticas públicas têm papel determinante para promover a melhoria das condições de vida dos produtores da agricultura familiar, estimular a abertura de novas agroindústrias familiares, impulsionar os mercados de produtos regionais, melhorar a segurança alimentar de grupos em situação de risco, fortalecer o vínculo dos jovens filhos de agricultores familiares com as atividades desenvolvidas por seus pais e assim diminuir o êxodo rural.
Palavras-chave: tributação, agricultura familiar, políticas públicas, isenção de ICMS no Tocantins.
ABSTRACT: Brazil is one of the countries with the highest tax burden on food products, regardless of the size of production. For a small rural producer, the form of taxation can be an important stimulus for the continuity of rural activity. In this context, this research attempts to answer the following question: what is the role of public policies for granting tax incentives as a tool for promoting local development through rural family farming activities? To answer this question, a descriptive study was developed through which it was possible to analyze the forms of taxation practicable for small rural producers of family agriculture, as well as the main public policies directed to this type of producer, with Tocantins as a case study. It was concluded that public policies play a key role in promoting the improvement of the living conditions of family farming producers, encouraging the opening of new family agro-industries, boosting regional product markets, improving food security for groups at risk, strengthening the bond of young sons and daughters of family farmers with the activities carried out by their parents and thus reducing the rural exodus.
Key-words: taxation, family agriculture, public policies, exemption from taxation.
1 INTRODUÇÃO
Grande parte dos alimentos que chegam às mesas dos brasileiros em seu dia a dia são oriundos das pequenas propriedades, conforme dados do Censo Agropecuário 2017-2018, onde foi apurado que a agricultura familiar representa 77% dos estabelecimentos agropecuários do Brasil, apresentando relevante produção da maioria dos alimentos que compõem a cesta básica de produtos consumidos pelo brasileiro, tais como: arroz (34%), feijão (70%), produção de leite (64,2%), produção de proteína animal como a de bovinos (31%), suínos (51,4%), caprinos (70,2%) e aves (45,5%), além de produtos como mandioca (87%), produtos hortícolas (64,4%) e espécies frutíferas (64,6%). Por meio desses dados, observa-se a importância econômica dos produtos da agricultura familiar no abastecimento de produtos para o mercado interno.
Em breve síntese, a agricultura familiar envolve um estabelecimento agropecuário administrado por uma família, que gerencia e também é a mão de obra empregada nas atividades rurais. Para a agricultura familiar as atividades são pluriativas, tudo na propriedade torna-se fonte de renda e subsistência (SCHNEIDER e NIEDERLE, 2008). Outra importante característica deste tipo de estabelecimento agropecuário é que a produção de alimentos tanto é utilizada como forma de subsistência como para geração de renda para a família, seja pela comercialização de produtos in natura ou pela venda de produtos chamados artesanais e/ou coloniais, que são aqueles tradicionalmente conhecidos como produtos da Terra ou Regionais. Na agregação de valor, trazida pela agroindustrialização dos produtos da agricultura familiar, reside uma importante estratégia de desenvolvimento rural. (MIOR, 2005)
Em termos da agricultura familiar como atividade fornecedora de produtos locais ou regionais, as dificuldades são ainda maiores, uma vez que para se estabelecer no mercado e ofertar seus produtos ao público consumidor, ela enfrenta a concorrência de produtos similares fabricados por grandes fábricas que possuem um volume de produção muito maior e, assim, conseguem ofertar seus produtos ao consumidor final por menor valor, e, desta forma, na livre concorrência de mercado, tornam-se a escolha deste, pois o preço representa um dos principais critérios na decisão de aquisição de um produto. Além da concorrência de mercado, outra grande dificuldade enfrentada pelos produtos da agricultura familiar reside na alta carga tributária sobre os alimentos em suas diferentes formas, uma vez que os tributos aplicados incidem no preço final dos mesmos. Com a alta tributação, o produtor não consegue ofertar um produto de qualidade com preço final acessível ao consumidor, e desta forma, sustentar-se na atividade se torna cada vez mais difícil.
Diante deste cenário, o presente artigo tem como objetivo analisar, por meio de um estudo descritivo e pesquisa bibliográfica, a importância do tratamento diferenciado da carga tributária aplicada à agricultura e agroindústria familiar como ferramenta de desenvolvimento local, tendo como estudo de caso o Estado do Tocantins.
2 ATIVIDADE RURAL NO BRASIL
A produção no meio rural é uma atividade que remonta desde os primórdios da humanidade, com mais semelhança às definições que se tem de agricultura remontando ao Egito Antigo, praticada pelo homem para fins, inicialmente de subsistência e posteriormente de geração de renda (BURANELLO, 2018).
A atividade rural, é um termo utilizado para designar atividades econômicas, sejam agrícolas (produção vegetal) ou zootécnicas (produção animal) ou agroindustriais (indústrias rurais). Quanto à classificação dos imóveis rurais, a mais utilizada trata-se do enquadramento por módulos fiscais. Cada município tem seu próprio enquadramento quanto ao tamanho do módulo fiscal. Além do tamanho, também é considerado o sistema de exploração (TENÓRIO, 2010).
A legislação brasileira que regula esta matéria é o Estatuto da Terra, Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964. Esta lei conceitua imóvel rural, assim como estabelece a classificação de seus tipos, quais sejam: propriedade familiar, minifúndio, latifúndio. Também são conceituados outros termos relacionados ao melhor entendimento da atividade rural.
De acordo com a referida legislação, em seu art. 4º, entende-se por imóvel rural:
Art. 4º Para os efeitos desta Lei, definem-se:
I - "Imóvel Rural", o prédio rústico, de área contínua qualquer que seja a sua localização que se destina à exploração extrativa agrícola, pecuária ou agro-industrial, quer através de planos públicos de valorização, quer através de iniciativa privada;
II - "Propriedade Familiar", o imóvel rural que, direta e pessoalmente explorado pelo agricultor e sua família, lhes absorva toda a força de trabalho, garantindo-lhes a subsistência e o progresso social e econômico, com área máxima fixada para cada região e tipo de exploração, e eventualmente trabalho com a ajuda de terceiros;
III - "Módulo Rural", a área fixada nos termos do inciso anterior;
IV - "Minifúndio", o imóvel rural de área e possibilidades inferiores às da propriedade familiar;
V - "Latifúndio", o imóvel rural que:
a) exceda a dimensão máxima fixada na forma do artigo 46, § 1°, alínea b, desta Lei, tendo-se em vista as condições ecológicas, sistemas agrícolas regionais e o fim a que se destine;
b) não excedendo o limite referido na alínea anterior, e tendo área igual ou superior à dimensão do módulo de propriedade rural, seja mantido inexplorado em relação às possibilidades físicas, econômicas e sociais do meio, com fins especulativos, ou seja deficiente ou inadequadamente explorado, de modo a vedar-lhe a inclusão no conceito de empresa rural;
[...] (BRASIL, 1964)
Com relação à legislação, a atividade rural foi definida na Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil, IN SRF nº 83, de 11 de outubro de 2001, estabelece em seu art. 2º quais atividades das pessoas físicas se enquadram como rural, ou seja, aquelas relacionadas à agricultura, pecuária, extração e exploração vegetal e animal, exploração de atividades zootécnicas. (BRASIL, 2001b)
Outra importante classificação das propriedades rurais ocorre em relação à natureza jurídica. Entende-se por produtor rural, aquele que desenvolve atividades rurais de cultivo, criação, extrativismo vegetal, assim como de transformação das matérias-primas em insumos ou novos produtos. No Brasil, as propriedades podem ser tanto empresas rurais, como sociedade de pessoas, ou ainda firma individual. A firma individual é aquela operada pela pessoa física, sendo o único responsável pela propriedade. Em relação à pessoa jurídica, consiste no produtor rural que possui inscrição no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) e registro em Junta Comercial. Trata-se de uma empresa legalmente constituída que trabalha com atividades agropecuárias, com a finalidade exclusiva de produção rural. A Instrução Normativa da Receita Federal IN-RFB nº 971/2009, em seu art. 165 traz o conceito dessas duas modalidades de produtor rural, verbis:
Art. 165. Considera-se:
I - produtor rural, a pessoa física ou jurídica, proprietária ou não, que desenvolve, em área urbana ou rural, a atividade agropecuária, pesqueira ou silvicultural, bem como a extração de produtos primários, vegetais ou animais, em caráter permanente ou temporário, diretamente ou por intermédio de prepostos, sendo:
a) produtor rural pessoa física:
1. o segurado especial que, na condição de proprietário, parceiro, meeiro, comodatário ou arrendatário, pescador artesanal ou a ele assemelhado, exerce a atividade individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, bem como seus respectivos cônjuges ou companheiros e filhos maiores de 16 (dezesseis) anos ou a eles equiparados, desde que trabalhem comprovadamente com o grupo familiar, conforme definido no art. 10;
2. a pessoa física, proprietária ou não, que explora atividade agropecuária ou pesqueira, em caráter permanente ou temporário, diretamente ou por intermédio de prepostos e com auxílio de empregados, utilizados a qualquer título, ainda que de forma não contínua;
b) produtor rural pessoa jurídica:
1. o empregador rural que, constituído sob a forma de firma individual ou de empresário individual, assim considerado pelo art. 931 da Lei nº 10.406, de 2002 (Código Civil), ou sociedade empresária, tem como fim apenas a atividade de produção rural, observado o disposto no inciso III do § 2º do art. 175;
2. a agroindústria que desenvolve as atividades de produção rural e de industrialização da produção rural própria ou da produção rural própria e da adquirida de terceiros, observado o disposto no inciso IV do § 2º do art. 175 e no § 3º deste artigo; [...] (BRASIL, 2009)
Insta salientar que o produtor rural não necessita ser o proprietário do imóvel, é preciso ter o direito de explorar, como acontece nos contratos de arrendamento.
2.1 AGRICULTURA FAMILIAR
Ainda sob os tipos de produtores rurais, existe mais uma divisão relacionada às características de exploração da atividade rural, tratando-se do agricultor familiar. A agricultura familiar é composta em sua maioria por pequenos produtores, que desenvolvem suas atividades por meio da gestão e mão de obra predominantemente familiar (DENARDI, 2001).
No Brasil, esta modalidade ocupa um grande espaço nas atividades rurais, bem como contribui efetivamente para o suprimento de alimentos nos mercados regionais (INCRA/FAO, 2000). A produção da agricultura familiar difere grandemente de outras formas de exploração agrícola ou zootécnica uma vez que existe maior diversificação dos produtos e a tendência na utilização de práticas mais sustentáveis de exploração agropecuária.
Segundo censo agropecuário do IBGE, cerca de 77% dos estabelecimentos que desenvolvem atividades agropecuárias no Brasil são de origem da agricultura familiar. Outra importante informação levantada neste mesmo documento sobre a agricultura familiar revela que esta representa a base da economia de 90% dos municípios brasileiros com até pouco mais de 20 mil habitantes. (IBGE, 2017)
Dentro da legislação brasileira, a agricultura familiar é uma atividade definida pela Lei nº 11.326 de 24 de julho de 2006, que estabelece as diretrizes para a formulação da Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais. Assim, de acordo com a legislação brasileira, é considerado agricultor familiar, aquele que:
Art. 3º Para os efeitos desta Lei, considera-se agricultor familiar e empreendedor familiar rural aquele que pratica atividades no meio rural, atendendo, simultaneamente, aos seguintes requisitos:
I - não detenha, a qualquer título, área maior do que 4 (quatro) módulos fiscais;
II - utilize predominantemente mão-de-obra da própria família nas atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento;
III - tenha percentual mínimo da renda familiar originada de atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento, na forma definida pelo Poder Executivo;
IV - dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua família. (BRASIL, 2006)
Comumente, os produtos da agricultura familiar que circulam no mercado interno do Brasil são de dois tipos, sendo o primeiro tipo aqueles ofertados in natura, tais como frutas, legumes, verduras, café, mandioca, milho, arroz, feijão, leite, carnes, e, um segundo tipo de produto ofertado após sofrer algum tipo de transformação, comumente denominados como produtos agroindustrializados, como por exemplo, geleias, doces, farinhas, polvilhos, bolos, biscoitos, pães, iogurtes, queijos, linguiças, mel envasado, dentre tantos outros. Esses produtos frutos do beneficiamento constituem o que se denomina de agroindústria familiar, e representam um grande aumento na renda da família.
O tipo de formatação de uma agroindústria familiar pode abranger desde processos simples, como o embalamento de verduras até aqueles mais mecanizados que requerem a utilização de equipamentos específicos para o beneficiamento de alguns grupos de alimentos, como a fabricação de polpas de frutas, embutidos e queijos e iogurtes.
Com efeito, a grande maioria de agroindústrias familiares existentes em praticamente todos os Estados do Brasil representam estabelecimentos construídos na própria propriedade; próximo às áreas de produção da matéria-prima, com gestão e operacionalização por meio de mão de obra familiar, que se utilizam, em sua grande totalidade, da própria produção da propriedade, assim como realizam atividades predominantemente manuais, cuja produção abrange desde o preparo da matéria-prima até o armazenamento do produto, agregando valor aos mesmos, aumentando sua vida útil, facilitando as formas de consumo dos produtos, e imprimindo nestes características regionais ou histórico-culturais, tais como aquelas formulações oriundas de receitas repassadas de geração em geração, conferindo identidade própria aos produtos da agroindústria familiar.
No entanto, independente da forma de produção de alimentos, em média 22,5% do preço final dos alimentos é resultante da incidência tributária. Atualmente, muito se tem discutido sobre as dificuldades econômicas que os empreendedores vêm passando para permanecerem ativos em suas atividades, e este conceito estende-se também às atividades rurais.
3 TRIBUTAÇÃO INCIDENTE SOBRE PRODUTOS ALIMENTÍCIOS TRANSFORMADOS
3.1 Sistema Tributário Nacional
O Sistema Tributário Nacional compreende todo o conjunto de regras que estabelecem a tributação nacional. (BRITO, 2015) Em um sentido amplo, refere a todas as exigências fiscais presentes no ordenamento jurídico brasileiro (disposições constitucionais, leis, decretos, portarias, instruções normativas) com a função de regular a instituição, cobrança, arrecadação e a partilha de tributos.
Nesse contexto, qualquer cobrança de tributos a ser realizada obedece a um conjunto de diretrizes que precisam ser observadas pelo Ente Tributante. O Sistema Tributário Nacional está previsto na Constituição Federal, regulado em seu Capítulo I (“Do Sistema Tributário Nacional”) do Título VI (“Da Tributação e do Orçamento”). O Texto Constitucional delineia a competência tributária atribuída aos entes federativos e suas implicações.
Abaixo da Constituição Federal, em matéria de tributação, tem-se o Código Tributário Nacional (ou CTN), promulgado pela Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, que também disciplina a matéria tributária, dispondo sobre o Sistema Tributário Nacional e instituindo normas gerais sobre tributação aplicáveis à União, Estados e Municípios. Esta lei sistematiza a lei tributária do Brasil, sendo dividida em duas partes, a primeira que regulamenta o sistema tributário e uma segunda onde ficam dispostas todas as normas que o regulamentam.
Do Código Tributário Nacional extrai-se o conceito legal de tributo, disposto em seu art. 3º, que prevê ser o tributo “toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.”
Sobre a definição o autor Eduardo Sabbag esclarece que o tributo é toda prestação pecuniária, exigido de maneira compulsória, mas instituído somente por meio de lei e cobrado a partir de lançamentos executados pelos Entes Tributantes (SABBAG, 2020). Tributo não é sinônimo de penalidade ou multa (PAULSEN, 2020)
Segundo o Código Tributário Nacional, em seu art. 5º, as espécies tributárias se dividem em três grupos, quais sejam: impostos, taxas e contribuição por melhoria. Entrementes, a corrente majoritária do direito tributário brasileiro defende que existem cinco espécies de tributos (teoria pentapartida), sendo eles: impostos, taxas, contribuição por melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições especiais (MACHADO SEGUNDO, 2018).
Em relação à legislação tributária nacional aplicada aos produtos transformados, ou seja, agroindustrializados pela agricultura familiar, cerca de seis tributos são cobrados em relação aos alimentos e as diferentes etapas de produção do alimento, quais sejam: PIS (Programa de Integração Social), COFINS (Contribuição para o Financiamento de Seguridade Social), ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), contribuição previdenciária, imposto de renda e a contribuição social sobre o lucro. De todas as exações mencionadas, o ICMS é o tributo de maior impacto, e que incide desde a produção agropecuária até o comércio varejista.
O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS tem previsão legal no art. 155, inciso II da Constituição Federal, tendo também regulamentação pela Lei Complementar nº 87/1996 (Lei Kandir), alterada posteriormente pelas Leis Complementares nº 92/1997, 99/1999, 102/2000 e 114/2002. É um imposto real, não cumulativo, que incide sobre o valor agregado, apresentando como base cálculo o bem. O fato gerador do ICMS refere-se ao momento da saída da mercadoria do estabelecimento contribuinte ou do início da prestação do serviço. Em relação às alíquotas do ICMS, cada Ente da Federação possui suas definições tanto para as alíquotas do Ente de origem como do Ente de destino, ou seja, é um imposto de competência dos Estados, e também do Distrito Federal, onde cada Estado deve estabelecer em Lei Estadual própria as alíquotas a serem praticadas sobre cada operação de saídas e/ou circulação de mercadorias, observando os limites previstos na CRFB. (SABBAG, 2020)
Este imposto também é indireto e seletivo, assim como o IPI, onde o ente Tributante também deve observar a essencialidade de cada mercadoria a ser circulada. Esta característica de seletividade está prevista no art. 155, § 2º, inciso III, da Constituição Federal que diz: “§ 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: III - poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços”. (BRASIL, 1988)
O contribuinte do ICMS é qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize operações de circulação de mercadoria ou prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação. É importante ressaltar que, essas operações devem ser realizadas com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial. Outro ponto importante a ser destacado é que, cabe ICMS ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.
Ainda em relação ao ICMS, cada Estado da Federação, e também o Distrito Federal possui legislação específica instituindo e regulamentando este tributo. A função do ICMS é fiscal, sendo uma importante fonte de arrecadação para os Estados assim como para o Distrito Federal. (CARRAZZA, 2011)
3.2 Incentivos Fiscais
O Estado como unidade administrativa de um território tem uma missão importantíssima nas relações socioeconômicas, cabendo a ele desenvolver políticas públicas para a solução dos conflitos sociais, bem como promover o bem coletivo. Mas para alcançar seus objetivos, o Estado precisa de recursos financeiros, uma vez que toda despesa estatal é amparada por algum tipo de recurso que o financie. (TUROLLA, 2009)
Neste sentido, a exação tributária, para o Estado, figura-se como uma importante fonte regular de financiamento de seus fins primordiais, como bem ensina Hugo de Brito Machado.
A tributação é, sem sombra de dúvida, o instrumento de que se tem valido a economia capitalista para sobreviver. Sem ele, não poderia o Estado realizar os seus fins sociais, a não ser que monopolizasse toda a atividade econômica. (MACHADO, 2011)
Por outro lado, nas palavras de Lina Vieira, a tributação faz mais pelo Estado do que custear seus objetivos, sendo também uma importante fonte para possibilitar o alcance dos princípios e objetivos do Estado, in verbis:
“À luz dessa nova visão, os tributos devem possibilitar o alcance dos princípios, fundamentos e objetivos da República Federativa do Brasil. Como consequência, devem ser utilizados para assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos.” (VIEIRA, 2010)
É válido colocar também o respaldo trazido em nossa Carta Suprema acerca da possibilidade dos incentivos fiscais como ferramenta de redução das desigualdades regionais e sociais, in verbis:
A Constituição Federal consagra como um dos objetivos fundamentais de nossa república erradicar a pobreza e reduzir as desigualdades sociais e regionais (art. 3º, inc. III). Quando veda à União instituir tributo que não seja uniforme em todo território nacional ou implique distinção ou preferência em relação a Estado, ao Distrito Federal ou a Município, em detrimento de outro, faz expressa ressalva, asseverando ser admitida a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as diferentes regiões do País (art. 151, inc. I) [...] a de reduzir desigualdades inter-regionais (art. 165, §7º) [...] a redução das desigualdades regionais e sociais (art. 170, inc. VII) (MACHADO, 2011. p. 383).
Mas, ainda sobre tributos é importante se distinguir que estes apresentam características de fiscalidade (arrecadação) e extrafiscalidade (utilização do tributo com finalidades diferentes de só arrecadação). No entanto, de acordo com o foco deste artigo, é na extrafiscalidade que o Estado pode desempenhar políticas públicas efetivas para públicos como a agricultura familiar.
Como bem nos ensina Roque Antônio Carrazza a extrafiscalidade tributária ocorre quando o legislador realiza aumento ou redução de alíquotas de tributos visando o bem coletivo, ou tal medida tem por objetivo obrigar o contribuinte a cumprir ou não alguma determinação. (CARRAZZA, 2017)
Neste mesmo sentido, o autor Ricardo Lobo Torres nos ensina que a extrafiscalidade é uma ferramenta de dupla configuração que de um dos lados pode gerar prestações não tributárias:
A extrafiscalidade, como forma de intervenção estatal na economia, apresenta uma dupla configuração: de um lado, a extrafiscalidade se deixa absorver pela fiscalidade, constituindo a dimensão finalista do tributo; de outro, permanece como categoria autônoma de ingressos públicos, a gerar prestações não tributárias (TORRES, 2001).
Por fim, vale dizer que os incentivos fiscais, especificamente estes, estão vinculados à supressão ou redução do ônus com o recolhimento de tributos como o ICMS, vem sendo utilizados pelo Estado com a finalidade extrafiscal, e assim, servindo de importante ferramenta para a efetividade de determinadas políticas públicas como àquelas voltadas para a atividade rural e seu público.
3.3 Limitações ao Poder de Tributar
As limitações ao poder de tributar são barreiras impostas pela Constituição Federal, visando limitar as ações do Ente Tributante para que este não exceda o exercício de suas atribuições, bem como sejam resguardados os direitos e deveres dos cidadãos brasileiros. Nesse sentido, uma vez estabelecidas as limitações, ocorre o disciplinamento jurídico (BARROS, 2014).
As limitações ao poder de tributar são restrições impostas pela Constituição Federal ao Ente Tributante de forma a delimitar suas ações (Sabbag, 2020).
Na Constituição Federal, as limitações ao poder de tributar estão previstas nos arts. 150, 151 e 152. Os limites ao poder de tributar estendem-se aos princípios constitucionais e às imunidades. Leandro Paulsen esclarece que as limitações podem se apresentar divididas em três classes: garantias do contribuinte (legalidade, isonomia, irretroatividade, anterioridade e vedação do confisco), como concretização de outros direitos e garantias individuais (imunidade dos livros e dos templos) ou como instrumentos para a preservação da forma federativa de Estado (imunidade recíproca, vedação da isenção heterônoma e de distinção tributária em razão da procedência ou origem, bem como de distinção da tributação federal em favor de determinado ente federado) (PAULSEN, 2020).
4 POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O FORTALECIMENTO DA AGRICULTURA FAMILIAR
Políticas públicas representam as ações desenvolvidas pelos governos, desenvolvidos para garantir o cumprimento de direitos previstos na Constituição Federal e outras leis. (NUNES, 2017) Tratam-se de estratégias que permitem o papel regulador do Estado, ao mesmo tempo que ampliam sua responsabilidade em representar os interesses populares. (RODRIGUES, 1997; ABAD, 2003). Desse modo, as políticas públicas são instrumentos de grande importância para se promover o desenvolvimento local.
Em relação às políticas públicas para a agricultura familiar, a partir do ano de 1995 significativas mudanças foram implementadas pelo governo na época, a partir da criação do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF, em anos anteriores, não existiam políticas públicas específicas para a agricultura familiar, principalmente para atender à necessidade de crédito para o seu desenvolvimento. (BIANCHINI, 2015).
O PRONAF é um programa para fortalecer a agricultura familiar por meio da disponibilização de financiamentos subsidiados pelo governo nos serviços agropecuários e não agropecuários. (BRASIL, 2002). Nesse contexto, a partir da criação do PRONAF, houve o reconhecimento da agricultura familiar como categoria social e produtiva, e assim diversas políticas públicas posteriores foram criadas visando garantir sua reprodução social bem como reafirmar sua importância na produção de alimentos (BERGAMASCO; ESQUERDO, 2013).
Após a criação do PRONAF, outra política pública direcionada para a agricultura familiar, criada no ano de 2003, como parte das ações do Programa Fome Zero, foi o Programa de Programas de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA), o qual está diretamente ligado com a política de segurança alimentar nutricional. (GRISA, 2012)
O PAA, refere-se à aquisição de alimentos adquiridos diretamente dos produtores da agricultura familiar e os distribui para pessoas em situação de insegurança alimentar e vulnerabilidade social, assim como instituições socioassistenciais, escolas da rede pública, restaurantes populares e bancos de alimentos. Este programa foi instituído pela Lei nº 10.696 de 2 de julho de 2003. Tem por objetivo promover o fortalecimento dos processos de comercialização dos produtos da agricultura familiar sob dois eixos, que são: a compra direta para doação simultânea às entidades da rede socioassistencial, tais como: escolas, creches e asilos, visando garantir a segurança alimentar e nutricional deste público; e apoio à formação de estoques e sua posterior comercialização no mercado. (MDS, 2012) Para acessar o PAA, o produtor, obrigatoriamente, precisa possuir o Cadastro Nacional da Agricultura Familiar – CAF, que veio substituir a Declaração de Aptidão ao PRONAF - DAP. Os valores das vendas são repassados diretamente aos produtores.
O Programa Nacional de Alimentação Escolar -PNAE tem por objetivos promover o acesso à alimentação saudável, e também estimular o desenvolvimento da agricultura familiar, uma vez que, no mínimo, 30% dos alimentos que são adquiridos pelo programa ocorrem por meio da compra de alimentos produzidos pelos agricultores familiares. Assim, os alunos em atividade escolar são servidos com refeições mais saudáveis e que incluem alimentos regionais normalmente consumidos por seus familiares em suas residências. O PNAE foi criado pela Resolução nº 26/2013, e complementado pelas Resoluções nº 04/2015 e nº 01/2017. Por meio do PNAE, são repassadas às secretarias de educação dos Estados e municípios e, também, às escolas federais, recursos que devem ser utilizados exclusivamente nas aquisições de gêneros alimentícios, por meio de editais de chamada pública para a compra de alimentos. (FNDE, 2020)
No que se refere à importância da execução dos Programas de Aquisição de Alimentos direto da Agricultura Familiar, tem-se que estes possuem papel significativo na composição da renda familiar. Tanto o PAA, como PNAE, são políticas públicas capazes de dinamizar a economia dos municípios, uma vez que, após o recebimento dos recursos oriundos a venda de seus produtos, as famílias realizam compras no comércio local propiciando uma maior circulação de capital dentro dos municípios. (SOUSA et al., 2018, e FERREIRA NETO et al.,2012)
Contudo, as saídas de gêneros alimentícios para os Programas Governamentais não são isentas do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), assim como vários outros produtos oriundos da agroindústria familiar. Para que tal condição seja possível, é necessário que os Estados e o Distrito Federal firmem convênios estabelecidos pelo Conselho Nacional de Política Fazendária – CONFAZ. O CONFAZ é um órgão colegiado, criado pela Lei Complementar 24/1975, formado pelos Secretários de Fazenda, Finanças ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal, sob a presidência do Ministro de Estado da Fazenda, que tem por objetivo celebrar convênios para efeito de concessão ou revogação de isenções, incentivos e benefícios fiscais e financeiros do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual, Intermunicipal e de Comunicação – ICMS. (CONFAZ, 2022; BRASIL, 2010; BRASIL, 1975)
Uma vez ratificado o convênio, os Estados signatários ficam autorizados a concederem isenção ou redução das bases de cálculo nas operações internas do ICMS nas saídas de determinados produtos, como por exemplo, os produtos oriundos da agricultura familiar comercializados para o Programa Nacional de Alimentação Escolar.
Em relação aos estados que ratificaram o convênio ICMS 143, de 24 de setembro de 2010 com a CONFAZ com vistas a beneficiar a agricultura familiar, na comercialização de gêneros alimentícios que se destinem ao atendimento da alimentação escolar nas escolas da educação básica, são signatários: Acre, Alagoas, Amapá, Amazonas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Rondônia, Roraima, São Paulo, Santa Catarina, Sergipe, Distrito Federal e o Tocantins. (CONFAZ, 2010)
4.1 Políticas Tributárias do Estado do Tocantins de apoio a Agricultura Familiar
O Tocantins é um Estado com vocação natural para a atividade rural. Três grupos recebem destaque neste cenário: produtores de grãos, pecuaristas e agricultura familiar. Sobre a agricultura familiar, segundo dados da Secretaria de Agricultura, Pecuária e Aquicultura do Estado do Tocantins – Seagro, o Tocantins possui aproximadamente 42 mil famílias de agricultores familiares, distribuídas em todos os 139 municípios do Estado, que juntas representam 50% das áreas destinadas à agricultura e à pecuária. Economicamente, a agricultura familiar contribui com 40% do valor bruto da produção agropecuária do Estado de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas – IBGE, Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA e SEAGRO (SEAGRO, 2021).
Assim como em todo o País, quando o assunto são políticas públicas voltadas para o fortalecimento da agricultura familiar, duas se destacam também no Estado do Tocantins, quais sejam: o PAA e o PNAE. Tais Programas Governamentais buscam solucionar a imensa dificuldade da comercialização dos produtos agrícolas produzidos por este público, uma vez que por meio da correta execução deles o produtor consegue um mercado certo e valorizado para a compra de seus produtos.
Outra maneira de demonstrar a importância da operacionalização desses programas pode ser expressa por meio da quantidade de dias de funcionamento destes programas, porque uma vez em funcionamento, tem-se a necessidade de aquisição dos produtos da agricultura familiar, em pelo 30% em relação ao todo a ser comprado. Por exemplo, por meio da operacionalização do PNAE, em função do semestre letivo, existe a previsão de compras para um período de 10 meses por ano, de igual forma acontecendo com o PAA, que inclusive, dependendo dos projetos apresentados pelos municípios em parceria com o Instituto de Extensão do Estado podem ter vigência todos os meses do ano.
Todavia, assim como para vários grupos alimentícios, as saídas de mercadorias, inclusive aquelas oriundas da agricultura familiar, são passíveis de tributação. No Estado do Tocantins, a legislação tributária tem por base seu código instituído pela Lei nº 1.287, de 28/12/2001, que prevê o Código Tributário do Estado do Tocantins. Já o Decreto 2.912, de 29/12/2006, dispõe sobre o regulamento do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação – RICMS/TO.
Em relação aos incentivos de natureza tributária, o Estado do Tocantins é signatário do Convênio ICMS 143/2010, e assim, nas operações destinadas ao agricultor familiar prevalece a hipótese de aplicação de isenção prevista no Decreto 6.111, de 22/06/2020, no Art. 2º, CXXVIII, que limita o benefício somente às saídas de gêneros alimentícios destinadas à alimentação escolar, in verbis:
CXXVIII – as saídas de gêneros alimentícios para alimentação escolar promovida por agricultor familiar ou empreendedor familiar rural ou por suas organizações, para serem utilizados por estabelecimentos das redes de ensino das Secretarias Estadual ou Municipal ou por escolas de educação básica pertencentes às suas respectivas redes de ensino, decorrente do Programa de Aquisição de Alimentos - Atendimento da Alimentação Escolar, instituído pela Lei Federal 10.696, de 2 de julho de 2003, no âmbito do Programa Nacional de Alimentação Escolar - PNAE, nos termos da Lei Federal 11.947, de 16 de junho de 2009, observado que: (Convênios ICMS 143/10, 11/14, 109/19)
b) a isenção alcança até o limite de R$ 20.000,00 a cada ano civil, por agricultor ou empreendedor; (TOCANTINS, 2020)
Contudo, os mercados governamentais executados no Tocantins não são suficientes para garantir a viabilidade e manutenção da agroindústria de produtos da agricultura familiar. Muito embora, este grupo de produtores escoe boa parte de sua produção por meio do comércio informal de produtos tidos como típicos ou da terra, há um retorno alto de investimento nos próprios municípios onde eles residem, uma vez que é no comércio local que os produtores usam sua renda para adquirir produtos de uso geral para si e seus familiares. A agricultura familiar, marcadamente, propulsiona o mercado local e também regional do Tocantins.
Em se tratando de incentivos fiscais, conforme previsão no ordenamento jurídico brasileiro, no que diz respeito à agricultura familiar o instituto das isenções tem maior impacto positivo no sentido de estímulo à constância nas atividades transformadores e oportunização de acesso a novos mercados, possibilitando assim maior giro econômico e possibilidade de geração de mais empregos e renda para as famílias envolvidas.
Nesse prisma, a Lei nº 11.326 de 24 de julho de 2006 (BRASIL, 2006), que trata dos programas para atingir as políticas voltadas à agricultura familiar, traz em seu texto que o Estado pode fazer uso de políticas de cunho tributário para estimular o desenvolvimento da agricultura familiar, in verbis:
Art. 5º Para atingir seus objetivos, a Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais promoverá o planejamento e a execução das ações, de forma a compatibilizar as seguintes áreas: I - crédito e fundo de aval;II - infra-estrutura e serviços;III - assistência técnica e extensão rural; IV - pesquisa; V - comercialização; VI - seguro; VII - habitação; VIII - legislação sanitária, previdenciária, comercial e tributária; IX - cooperativismo e associativismo; X - educação, capacitação e profissionalização; XI - negócios e serviços rurais não agrícolas; XII - agroindustrialização. (BRASIL, 2006, grifo nosso)
Para melhor compreensão acerca do assunto é interessante analisar as legislações tributárias direcionadas à agricultura familiar executadas em Estados tais como Maranhão, Minas Gerais, Rondônia, Rio de Janeiro, Mato Grosso e outros que já instituíram políticas públicas com incentivos fiscais maiores aos pequenos produtores rurais conforme resumido na Tabela 01 a seguir.
Tabela 01. Resumo das Políticas Públicas tributárias praticadas em outros Estados no País
Estado |
Legislação |
Incentivos Tributários |
Maranhão |
Decreto Nº 32.196/2016 |
Tratamento tributário simplificado e diferenciado ao agricultor familiar e suas organizações |
Mato Grosso do Sul |
Decreto nº 9.983/00 e Decreto nº 10.310/01 |
Tratamento tributário diferenciado para pequeno produtor que agroindustrialize sua produção |
Minas Gerais |
Lei nº 14.280/02 Decreto nº 44.133/05
|
Simplificação de tributos para o ICMS para pequenos produtores na modalidade associação |
Paraná |
Decreto nº 5.141/01 Decreto nº 3.927/04 Decreto nº 1.980/07 |
Tratamento tributário diferenciado para o ICMS |
Rio Grande do Sul |
Lei 10.045/93 |
Isenção de ICMS para microprodutor rural, com operações com produtos de produção própria e destinadas ao consumidor final dentro do Estado. |
Rio de Janeiro |
Lei nº 4.177/03 Lei 10.584/95 |
Redução da base de cálculo do ICMS Crédito presumido do ICMS |
Rondônia |
Lei complementar nº 406/07 Decreto nº 8.321/98 |
Isenção e suspensão do ICMS Crédito presumido do valor total do imposto devido |
Fonte: Adaptação MAROCO (2018)
De forma geral, a extensão dos incentivos praticados nos outros Estados vão além da isenção do ICMS nas saídas de gêneros alimentícios para os Programas Governamentais como àqueles da alimentação escolar, assim como ocorre no Tocantins, mas contemplam outros institutos como o tratamento tributário simplificado e diferenciado (isenção, diferimento e suspensão do ICMS) e o crédito presumido aplicado nas saídas internas dos produtos da agricultura familiar.
Modelos de tratamento tributário diferenciado como aqueles praticados nos Estados de Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Paraná, que aplicam incentivos fiscais tais como: isenção de ICMS nas saídas internas destinadas ao consumidor final quando praticadas pelo próprio produtor; suspensão do ICMS quando das saídas internas destinadas às cooperativas de produtores rurais e aos estabelecimentos contribuintes do próprio Estado; a implementação de crédito presumido de ICMS nas compras internas de produtos da agricultura familiar produzidos no Estado, com alíquotas entre 4 e 6%; redução das bases de cálculo do ICMS em pelo menos 1/3 nas saídas internas dos produtos locais com selos do Serviço de Inspeção Municipal ou alvará (ou autorização sanitária) da vigilância sanitária municipal do Tocantins, figuram-se como alternativas praticadas em outros Estados que trabalham o fortalecimento da agricultura familiar e, que servem de modelo para aprimoramento das políticas públicas com enfoque na extrafiscalidade.
Cabe neste ponto da discussão colocar que os incentivos, quer seja na supressão ou mesmo na redução do ônus com o recolhimento de tributos, figuram-se como políticas públicas efetivas no caso da agricultura familiar, vez, por exemplo, no Tocantins, a alíquota do ICMS para alimentos industrializados como a polpa de fruta tem carga tributária média de 18% do valor da nota, neste caso, em se tratando de agricultura familiar observa-se um valor expressivo considerando que este perfil de produtor comercializa seus produtos em pequenas quantidades, e regra geral, dentro do próprio Estado; assim a redução dessa alíquota já representaria maior ganho para o produtor, que ao pagar menos tributos na comercialização de produtos dentro do próprio Estado teria mais viabilidade e sustentabilidade em seu negócio, conseguindo também disputar em condição de igualdade espaço com produtos vindos de outros Entes Federativos.
CONCLUSÃO
A agricultura familiar representa um componente importante no desenvolvimento da economia brasileira, no entanto, muitas são as dificuldades encontradas pelos pequenos produtores para manterem sua atividade lucrativa e suficiente para garantir o sustento de sua família e a continuidade dos negócios. Um dos entraves que contribui para a fragilidade dos pequenos empreendimentos familiares advém da elevada carga tributária do Brasil incidente também nos produtos da agricultura familiar. Isso porque, a agroindústria da agricultura familiar, regra geral, tem um volume de produção pequeno, em função tanto da própria estrutura física utilizada nas fábricas como na mão-de-obra utilizada, não tendo os ganhos da economia das fábricas de grande escala.
Assim, este artigo procurou desenvolver uma análise sobre a importância das políticas tributárias para os produtos da agricultura familiar como promotora de desenvolvimento regional. A conclusão mais forte e assertiva é a de que as políticas públicas têm papel determinante para promover a melhoria das condições de vida dos produtores da agricultura familiar, estimular a abertura de novas agroindústrias familiares, impulsionar os mercados de produtos regionais, melhorar a segurança alimentar de grupos em situação de risco, fortalecer o vínculo dos jovens filhos de agricultores familiares com as atividades desenvolvidas por seus pais e assim diminuir o êxodo rural.
Apesar do modelo tributário diferenciado adotado no Estado do Tocantins para os produtos da agricultura familiar, este tratamento somente abarca uma condição de comercialização dos produtos para o atendimento aos programas de alimentação escolar, não incluindo-se outras formas de comercialização interna dos produtos, nem tampouco dispensando o pagamento do ICMS em outras operações realizadas por estas agroindústrias dentro do próprio Estado.
Desta forma, urge a implementação de outras políticas estaduais de concessão de incentivos fiscais que estimulem o beneficiamento de matérias-primas regionais, como forma de promover o desenvolvimento local por meio de uma agricultura familiar fortalecida em bases sustentáveis e geradora de emprego e renda.
Ressalta-se também que, além das políticas tributárias reduzidas, é de extrema importância que os produtores desenvolvam uma cultura de trabalho cooperativa ou associativa, uma vez que amplia as possibilidades de colocação de produtos regionais no mercado preservando os saberes e identidades destes produtos.
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[1] Doutora em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza; Professora efetiva de Direito Tributário na Universidade Estadual do Tocantins – UNITINS.
Engenheira de Alimentos, formada pela Universidade Estadual do Tocantins, Doutora em Química pela Universidade de Brasília, Acadêmica de Direito do 9ª período, Campus Palmas, pela Universidade Estadual do Tocantins. Servidora Pública, articuladora de desenvolvimento agroindustrial do Governo do Estado do Tocantins
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VERôNICA ALVES GONçALVES DA SILVA FRANçA, . Tributação diferenciada para a agricultura familiar do Tocantins como ferramenta de desenvolvimento local Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 nov 2022, 04:28. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos /59877/tributao-diferenciada-para-a-agricultura-familiar-do-tocantins-como-ferramenta-de-desenvolvimento-local. Acesso em: 28 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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